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Em contexto de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, RJ organiza o crime em chacina promovida pelo Governo Cláudio Castro.*

  • grupomonizbandeira
  • 30 de out.
  • 8 min de leitura

Por: Edgar Monteiro de Menezes**


No dia 28 de Janeiro de 2025, a operação policial rebaixada a ato de camisas negras provocou ao menos 100 óbitos, na zona norte do Rio de Janeiro; um banho de sangue sem precedentes na história da democracia [1]. Independentemente das ocupações dos mortos, se lícitas ou ilícitas, a indagação relativamente crítica costuma ser no seguinte sentido: existe pena de morte, no Brasil?

Em tempos de guerra (em que o Brasil nunca protagoniza) seria possível (art. 5º, XLVII, a, da CF). No entanto, esse questionamento é impertinente. Sequer estamos falando de pena, já que a pena pressupõe um processo. Mesmo em um regime autoritário com o dos Estados Unidos, a sanção capital é sempre resultado final de um procedimento formal de averiguação, ainda que excepcional (com relativização das garantias individuais fundamentais).

Em "Política Criminal com derramamento de sangue", NILO BATISTA [2] historiciza o discurso corrupto dominante no tema da segurança pública, revelando o cinismo político respaldado pela criminalização da coisa ilícita, a relação íntima entre a escolha do modelo militar de segurança pública e a suspensão democrática de 1964, e como o Estado organiza o crime a partir do derramamento de sangue negro, capitalizando as mortes de "bandidos" em prol de novos empreendimentos das classes políticas tradicionais. Os delitos de perigo abstrato referenciados em bens jurídicos hipotéticos e indemonstráveis, como o tráfico de drogas e a associação criminosa (outrora formação de quadrilha), são tecnologias do jogo de cena para o controle social, "making Brazil smell like blood".

Em "Contribuição Para Crítica da Economia da Punição", JUAREZ CIRINO DOS SANTOS lidera o pensamento criminológico que se rendeu aos fortes resultados científicos de RUY MAURO MARINI. A violência estatal é vetor central da política econômica dos países dependentes que dirige aos pobres as opções miseráveis de escolha: repressão brutal ou subsalário [3].

O constrangimento imposto pela violência estatal é vetor de determinação para a "aceitação" de condições indignas de vida pelas classes subalternizadas e racializadas. A superexploração da força de trabalho (remuneração abaixo do necessário para o trabalhador se manter em pé, no dia seguinte, subsequências de repetição laboral) é a garantia do lucro maior, ou da compensação das perdas que a burguesia nacional sofre nas trocas com o capital internacional.

A situação insólita das alternativas insuportáveis que permite essa espoliação salarial específica, no Brasil, é potencialializada pela centralidade da "política da bala", que arma o lumpen (vide os decretos armamentistas do governo Bolsonaro) - enquanto transfere valor para Estados Unidos e Israel - e que torna a carreira policial-militar a única pública de massas possível. A livre-circulação cidadã é substituída pela lógica da "correria", que fomenta escolhas desesperadas e/ou desvantajosas.

Em condições história específicas, os perseguidos pelo Nazismo GEORG RUSCHE e OTTO KIRCHEIMER descobriram a função necessária dos sistemas penais para os ganhos das classes hegemônicas, anunciando que todo sistema de produção respalda um modelo de repressão correspondente. Catalogaram os estudos fascistas, descrevendo que os teóricos do Nazismo desenvolveram "protocolos de morte", no campo penalógico, que aparentemente são tomados de empréstimo pelo governador CLÁUDIO CASTRO [4]:


"O Estado não pode estabelecer uma linha de demarcação muito precisa entre a porção honrada da população e o anti-social inimigo do povo, se deseja previnir a selvageria moral" escrito pelo oficial nazista KURT DALUEGE.

Os resquícios estão em KURT DALUEGE, acima, ou em HANS FRANK, o "Carniceiro da Polônia" ("Der Sinn der Strafe"), e são reproduzidos nas práticas de BOPE: "Se estão na favelas, só podem ser bandidos. Culpados até que se prove o contrário. Sendo Culpados, são de imediato executáveis". A questão é escancarada e estudos revelam que "os mais atingidos pela violência policial são homens jovens de 18 a 29 anos, sendo 92,6% negros". No Rio de Janeiro, uma pessoa negra morre em decorrência da intervenção do Estado a cada 13 horas [4.1].

As práticas neocoloniais de subjugação de território, de introjeção psicológica de subjetividades desajustadas (oportunismo sobre as autoestimas abaladas), de empenho de choque financeiro-ambiental em sintonia com especulação econômica, de manipulação utilitária do terror para manter a desigualdade (ANA LUIZA FLAUZINA) - corpo preto caído no chão [4.2] -, são apreensíveis em 1930, em Gaza e nas favelas fluminenses.

No Brasil, nunca existiu segurança, muito menos pública. A opção cínica de atomizar o problema da violência urbana, excluindo esse quadro da opção política estelionatária de afastar o protagonismo estatal da economia, embora previsto na Constituição (art.170), é repetitiva. Se o Estado fosse agente de promoção de pleno emprego digno, estável e com a remuneração do DIEESE [5], não seria possível ao empreendedorismo do comércio de drogas irregular competir com ele. De igual sorte, fossem os pressupostos do serviço público universal respeitados (regularidade, continuidade e eficiência), o empreendimento alternativo de vans não estaria competindo com os ônibus municipais.

Não existe erro. A postura liberal, marginal à Constituição Federal, organiza a economicidade da violência urbana [6]. O delito associativo qualificado, a assim chamada organização criminosa, é a anunciação normativa de antecipação da resposta penal - que não é resposta, mas motivação não lastreada de exercício de força desmedida -, agora com viés "chacineiro", articulando a destruição de provas sobre a realidade social e a promoção de ganhos eleitorais.

No final das contas, é indiciário que o governo mata com indiferença deliberada sobre a qualificação dos alvejados, porque ancorado no pânico moral promotor da figura do "narcoterrorista".


A Chacina do Alemão é o verdadeiro Embargos de Declaração do 08 de Janeiro.


Em contexto de responsabilização dos golpistas de Estado, com condenações motivadas já publicadas, e de ameaça de DONALD TRUMP contra toda a América Latina [7], a eliminação violenta de 128 pessoas e a barbarização de centenas de moradias pobres, nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, é uma tentativa de ganho de pauta pela extrema-direita.

Aproveitando o ensejo sobre a má-compressão geral do tema segurança pública (a "carta dourada do baralho"), inclusive pela esquerda política, as odisséias policiais e a aposta dobrada na política criminal secular - que remontam todos os ranços da escravidão - podem recolocar o golpismo em alguma posição de vantagem e de destaque, principalmente porque a "Frente Ampla" mal sabe lidar com a mercadoria do medo.

Assim, sem negligenciar os contornos de guerra-híbrida [7.1], o cenário "Mad Max", as divulgações de pânico e de terror em sincronia com o presidente estadunidense, e a tentativa de recuperação de territórios perdidos pelas milícias policiais aparentam ser apostas por pressão às redenções das forças militares golpistas. O Exército Brasileiro volta a ser citado para intervir [8]. Trata-se de uma tentativa chocante de desestabilizar o governo democrático eleito, de jogar com suas fraquezas notórias, e de constranger o Supremo Tribunal Federal, competente para o julgamento do Golpe de Estado e instância judicial responsável pela ADPF das favelas, objeto - desde sempre - das mais profundas desinformações.

A contemporaneidade da chacina patrocinada pelo Partido Liberal (PL) no Rio de Janeiro com os ataques de TRUMP à Venezuela, sob o álibi do "narcoterrorismo" [9], é evidente, indicando que o povo brasileiro, também alvo das chantagem da família Bolsonaro que busca apoio nos EUA, vive em cenário de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, às custas horrorosas do sangue da população negra e trabalhadora [10].

A capitalização dos corpos sem vida dos moradores de periferia não pode ser negligenciada, e o chefe da função de Poder Executivo do Rio de Janeiro junto com os operadores de segurança pública devem ser investigados. Isso porque:

1. Os responsáveis pela operação divulgaram que essa intervenção foi planejada por um ano.

2. Sendo planejada por um ano, não há motivo para que as Câmeras Operacionais Portáteis (COP), as também chamadas body cams nos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), fiquem sem bateria, porque há determinação legal expressa para que estejam em pleno funcionamento, vide Lei Estadual 9.298/2021 e ADPF 635.

3. Toda interveção de captura de condenados e de suspeitos que provoca ocorrência de morte, ainda que em situação de legítima defesa ou exercício regular de direito, exige preservação ou custódia dos elementos de informação (art. 158-A e art.158-B do CPP). Notícias dão conta que corpos foram encontrados na mata, alguns com perfuração de faca, com mãos e braços amarrados, o que destoa de um confronto armado [11]. Nesse sentido, era dever do Ministério Público, cuja participação foi feita pelo GAECO, e das Polícias preserverem os vestígios do conflito. No entanto, deliberadamente abandonaram os corpos, e desviaram-se de protocolos mínimos de atuação [12].

Em suma, o cenário da chacina indica uma rede complexa de interesses político -judiciais, econômicos e geopolíticos [13], corroborando com a afirmação de BATISTA para quem o sistema policial e penal é a base fundante da praxis da extrema direita, - e, partir daqui, incluo -, aptas a reabrir os porões sombrios de 1968 e de rearranjar a correlação de forças em torno do julgamento do 08 de janeiro, e das balizas institucionais que garantem alguma soberania nacional [14].


**Edgar Monteiro de Menezes é advogado criminal e cível, mestre e doutorando em Direito Penal (UERJ)


Charge de Daniel Lafayette
Charge de Daniel Lafayette

Referências:


[1] COSTA, João Vitor. Com kombi e 4×4, resgate a corpos na mata após operação já dura 12 horas: “tinha gente amarrada com tiro na testa. O Globo, Rio de Janeiro, 29 out. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/29/com-kombi-e-4x4-resgate-a-corpos-na-mata-apos-operacao-ja-dura-12-horas-tinha-gente-amarrada-com-tiro-na-testa.ghtml. Acesso em: 29 out. 2025.

[2] BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, n. 30, p. 129-142, 2000.

[3] SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia: contribuição para crítica da economia da punição. Rio de Janeiro: Tirant lo Blanch, 2021.

[4] RUSCHE, Georg; KIRCHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004, página 248.

[4.1] RAMOS, Silvia et al. (orgs.). Pele alvo: mortes que revelam um padrão [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: CESeC – Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, 2024. 1 PDF (diversos autores). ISBN 978-85-5969-049-1. Disponível em: https://cesecseguranca.com.br. Acesso em: 30 out. 2025. páginas 14 e 29.

[4.2] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

[5] Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Salário mínimo nominal e necessário – setembro de 2025: R$ 1.518,00 e R$ 7.075,83. São Paulo, set. 2025. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html. Acesso em: 29 out. 2025.

[6] CRUZ, Adriana; MOREIRA, Gabriela; MARTINS, Marco Antônio. Deputado estadual TH Joias é preso por tráfico, venda de armas e elo com o Comando Vermelho. G1 Rio de Janeiro, 3 set. 2025, 06h52. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/09/03/pf-e-mprj-cumprem-mandados-nesta-quarta-feira.ghtml. Acesso em: 29 out. 2025.

[7] CNN Brasil. EUA enviam maior porta-aviões do mundo ao Caribe e ampliam tensão na região. São Paulo: CNN Brasil, [2025]. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-enviam-maior-porta-avioes-do-mundo-ao-caribe-e-ampliam-tensao-na-regiao/. Acesso em: 29 out. 2025

[7.1] JUNQUEIRA, Caio. RJ passou a governo Trump relatório de atuação do Comando Vermelho nos EUA. CNN Brasil, 28 out. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/nacional/sudeste/rj/rj-passou-a-governo-trump-relatorio-de-atuacao-do-comando-vermelho-nos-eua

[8] IHU Unisinos. Projeto de lei pró-Trump sobre terrorismo usa PCC e CV para facilitar intervenção dos EUA. IHU – Instituto Humanitas Unisinos, 1 out. 2025. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/657935-projeto-de-lei-pro-trump-sobre-terrorismo-usa-pcc-e-cv-para-facilitar-intervencao-dos-eua. Acesso em: 29 out. 2025.

[9] CRUZ, Adriana; MOREIRA, Gabriela; MARTINS, Marco Antônio. Forças Armadas negou três pedidos para apoio de blindados ao RJ, diz Castro. CNN Brasil, 3 set. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/forcas-armadas-negou-tres-pedidos-para-apoio-de-blindados-ao-rj-diz-castro/. Acesso em: 29 out. 2025.

[10] Em meio à operação de horror, o Deputado Federal NIKOLAS FERREIRA, aliado do Governador Cláudio Castro, clamou pela inconstitucional Anistia aos Golpistas e a Jair Bolsonaro, na rede social X.

[11] ESTADÃO Conteúdo. Rio: corpos estavam amarrados e com marcas de facadas, relatam moradores do Complexo da Penha. ISTOÉ DINHEIRO. 29 out. 2025. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br/rio-corpos-estavam-amarrados-e-com-marcas-de-facadas-relatam-moradores-do-complexo-da-penha. Acesso em: 30 out. 2025.

[12] FOLHA DE S.PAULO. Operação no Rio vazou e mortes começaram antes de incursão em favelas, mostra documento. Folha de S.Paulo – Cotidiano, 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/operacao-no-rio-vazou-e-mortes-comecaram-antes-de-incursao-em-favelas-mostra-documento.shtml. Acesso em: 30 out. 2025.

[13] O GLOBO. Castro viaja a Nova York para agenda em segurança pública; governo busca apoio para classificar quadrilhas do Rio como narcoterroristas. Rio de Janeiro: O Globo, 9 maio 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/05/09/castro-viaja-a-nova-york-para-agenda-em-seguranca-publica-governo-busca-apoio-para-classificar-quadrilhas-do-rio-como-narcoterroristas.ghtml. Acesso em: 30 out. 2025.

[14] CNN Brasil. “Paraguai terá base contra o Hezbollah apoiada por Federal Bureau of Investigation na Tríplice Fronteira”. CNN Brasil – Internacional, 15 ago. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/paraguai-tera-base-contra-o-hezbollah-apoiada-por-fbi-na-triplice-fronteira/. Acesso em: 30 out. 2025.


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